domingo, 29 de agosto de 2010

Alguém achou um sapatinho de cristal por aí?

Se eu tivesse uma filha, jamais a criaria com a idéia fixa de casamento, filhos e fidelidade até que a morte os separe. Pouparia minha pequena das grandes expectativas e das inúmeras surpresas que a vida a dois poderia lhe reservar. Concordaria com ela quando dissesse que o amor é sinônimo de energia para nossas fraquezas e luminosidade para nossos caminhos. Porém, deixaria claro que a conta mensal de energia não é lá muito inspiradora, além do que, um jantar a luz de velas nem sempre pode ser encarado como um programa romântico, principalmente quando acontece por inadimplência ou falta de opção.
Se eu tivesse uma filha não poderia, na verdade, dar-lhe uma vida de princesa, mas a incentivaria andar descalça pelo seu próprio reino, assim ela jamais correria o risco de ser encontrada por um guarda Real. Ninguém merece, por culpa de um mero e “fora de moda” sapatinho de cristal, ter um sujeitinho “almofadinha” pegando no nosso pé o resto da vida!
Pra ser mais exata, não deixaria minha menina assistir nenhum conto de fada na sua infância. Obrigaria a pequena decorar todas as fábulas de Esopo possíveis, entendendo que toda ação provoca uma reação, e que toda reação contrária as Leis da Vida, acarretará (inevitavelmente) uma ação na mesma linha vibratória. Enfim, não a deixaria pensar que servindo as pessoas, em primeiro lugar, garantiria à ela um lugarzinho no céu, já que é mais fácil conseguir, com essa atitude, um passaporte gratuito para o inferno sem passagem de volta.
Ensinaria minha menina a pensar primeiro em si mesma, em toda e qualquer situação. Não de uma forma egoísta, mas sábia. Como ela poderá distribuir amor, se não valorizar a sua própria vida? Ninguém pode dar o que não tem. E isso é fato. E é por essa razão que ensinaria minha filha levantar a cabeça em todos os declives da sua história, ao invés de baixar a guarda, na maior parte desse enredo. Ensinaria minha filha a rezar, mas jamais esperar um milagre sentada, submissa às tormentas da vida. Jamais deixaria minha menina acreditar que uma abóbora poderá, um dia, tornar-se uma carruagem, mesmo porque quem nasceu pra ser abóbora jamais chegará a “Moranga Real”. Nenhuma varinha do mundo tem esse poder. A única abóbora que pensou ter tido essa sorte, foi a princesa Daiana e mesmo assim chegou a conclusão (tarde demais) que a felicidade não estava escondida na varinha do seu lord inglês, muito menos no sobrenome do seu suposto amor. A “transformação genética”, nesse caso, é intrínseca. A Realeza não se compra e não se vende... se descobre. Ser feliz é uma opção e não uma conquista. E é por isso que eu ensinaria minha pequena Cinderela a não procurar em outro coração a sua própria felicidade. Faria a minha pequena entender que a solidão não é a pior coisa dessa vida e sim a comodidade de esperar que o mundo lhe presenteie com um salvador, um encantador, um sedutor e irreal príncipe encantado. Todo príncipe encantado tem um prazo de validade, depois disso, volta a ser sapo. Nesse caso, não podemos negar, jamais deixarão de pular a cerca e se encantar com “pererecas”. Faz parte da natureza desse ser vivo!!! Ninguém, nesse mundo possui no rótulo, um certificado de garantia confiável. Rótulos são fabricados. Mas o produto nem sempre corresponde as expectativas do consumidor. Dessa forma, a felicidade é um estado. Homens estão longe de serem príncipes. E é por isso que não deixaria minha pequena se apaixonar pelo primeiro homem que fizesse suas pernas bambearem, mas sim por aquele que tivesse o poder de reduzir, em minutos, as 24 horas do seu dia. Faria minha pequena flor se apaixonar por gargalhadas e não por declarações de amor, já que a vida não pode ser levada tão a sério. Faria minha pequena analisar os pequenos gestos do seu pretendente: suas ações frente ao inesperado, o seu encanto frente as dificuldades do cotidiano, a sua tranqüilidade ao lidar com o caos , o brilho dos seus olhos ao cruzar com uma criança, as suas reações diante às simplicidades da vida...
Minha pequena jamais usaria um número maior de sapatinho do que o seu de costume, para jamais correr o risco de perdê-lo em um dos muitos bailes dessa vida. Deixaria que ela experimentasse muitos e muitos modelos e escolhesse, com maturidade, aquele que mais lhe agradasse, aquele sapatinho que mais acomodasse e esquentasse os seus pezinhos gelados. Um sapatinho que, além de conforto, desse firmeza a cada um dos seus passos.
Eu não deixaria, em hipótese alguma, que minha princesinha viesse a morar com a sogra , nem mesmo por toda comodidade de um castelo! Tem coisas na vida que não valem a pena. Paz é algo que não tem preço! Cinderela não existe, mas madrastas e sogras, com certeza, sim.
E se caso observasse minha menina conversando com pardais ou a testemunhasse desfilar, exibindo um vestido meio suspeito, insistindo em dizer que foi confeccionado por uma dúzia de ratos alfaiates, marcaria um psiquiatra imediatamente. Sem titubear!
Não criaria uma filha para ser escolhida, mas para fazer escolhas, seja na profissão, seja na vida, ou seja no amor!
Acredito que toda mulher que luta para ter boas oportunidades na vida e, por mérito próprio, consegue ser bem resolvida profissionalmente, pessoalmente ou sexualmente, não se deixa enganar por qualquer principezinho à toa. Ainda mais aqueles que aparecem no fim da história, exibindo sobrenomes importantes e ocultando suas empresas falidas. Aqueles que chegam prometendo um final feliz para sua história, mas que na verdade não possuem ao menos um cavalinho pangaré para conduzir a relação...
Mulher que é mulher, tem sexto sentido.
Mulher que é mulher sabe que, apesar de ser chamada de gata, não possui sete vidas para acreditar em palavras desconexas e “cantadas” ensaiadas.
Mulher que é mulher não anda no banco de atrás de uma carruagem. Prefere dirigir, com autonomia, a sua própria vida. Mulher que é mulher vai à luta. Não se conforma em ficar esfregando cueca no tanque, no anonimato. Porque cueca, fala sério! Só é boa no chão. No varal... só por falta de opção.
Mulher que é mulher não espera que o poder mágico de uma varinha de condão conduza todos os seus passos, sinalizando cada momento da sua vida.
Uma coisa é certa: mulher que é mulher pode até não acreditar em Contos de Fadas, mas utiliza constantemente seu poder de fogo para exterminar qualquer clima de ingenuidade que possa pairar pelo ar. Mulher que é mulher é “malvada” por natureza: sabe provocar e sair de cena antes das críticas. Mulher que é mulher não precisa de aplausos, ela mesma se garante!
Mulher que é mulher sabe “se fazer”, sabe se vestir de donzela para impressionar os principezinhos de araques... mas também sabe se despir, com ousadia, e sobrevoar, liberta, pelos prazeres da vida. Mulher que é mulher, causa impacto, gera dúvidas e paira, sem culpa, pelas hipocrisias dessa sociedade machista.
Mulher que é mulher consegue, mesmo vestindo um “pretinho básico”, transbordar matizes coloridas e aromas inebriantes pelos poros nativos da sua sensualidade.

Gilmara Giavarina

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